"Cuando el mal crece, el pequeño bien se agranda." (Antonio Porchia)

Karl Popper (2)

Em busca de um mundo melhor

Pg 291 :
Senhoras e senhores, estou longe de acreditar no progresso ou numa lei do progresso. Na história da humanidade há altos e baixos, e os pontos altos de riqueza podem muito bem aparecer ao mesmo tempo que os de depravação, ou os pontos altos da arte ao mesmo tempo que os pontos mais baixos de solicitude. Há mais de quarenta anos, escrevi contra a crença no progresso e contra a influência de modas e da modernidade na arte e na ciência. Ainda ontem fomos exortados a acreditar na ideia de modernidade e de progresso, e hoje querem nos injetar o pessimismo cultural. Em minha longa vida – e eu gostaria de dizer isto contra os pessimistas – não só vi retrocessos, mas também progressos nítidos e bastante palpáveis. Os críticos culturais que não querem admitir nada de bom em nossa época e em nossa sociedade são cegos para isso, e cegam muitas outras pessoas. Creio que é danoso quando a intelligentsia dominante e admirada diz constantemente às pessoas que elas na verdade estão vivendo num inferno. Pois isso não só as torna descontentes – isso não seria tão ruim assim –, mas também infelizes. Isso arranca delas a alegria de viver. Como foi que Beethoven, que pessoalmente foi profundamente infeliz, terminou a obra de sua vida? Com a Ode à alegria, de Schiller.

Beethoven viveu numa época de frustração das esperanças de liberdade. A Revolução Francesa tinha sucumbido no Terror e no império de Napoleão. A Restauração de Metternich reprimiu a ideia de democracia e aguçou a oposição de classes. A miséria das massas era grande. O hino à alegria de Beethoven é um protesto apaixonado contra a oposição de classes, pela qual a humanidade é dividida; "severamente dividida" , como diz Schiller. Beethoven modifica essas palavras numa passagem para uma explosão do coro e escreve: "insolentemente dividida". Mas ele não conhece ódio de classe – apenas amor ao próximo e irmandade. E quase todas as obras de Beethoven terminam ou em clima de consolo, como a Missa Solemnis, ou de júbilo, como as sinfonias e Fidelio.

Muitos de nossos artistas produtivos contemporâneos são vítimas da propaganda do pessimismo cultural. Eles acreditam que é sua tarefa representar horrivelmente o que eles consideram uma época horrível. É verdade que até mesmo os grandes artistas do passado fizeram exatamente isso. Estou pensando em Goya ou Kathe Kollwitz. A crítica à sociedade é necessária e deve ser perturbadora. Mas o sentido mais profundo de tal arte não deve ser o lamento, mas um chamado para superar o sofrimento. É o que encontramos em Figaro, que é carregada de crítica a sua época, com chiste, sátira, ironia; mas também repleta de significado mais profundo. Há ali também muita seriedade e até mesmo dor; mas também muita alegria e vitalidade transbordante.

Conjecturas e Refutações

Loc 10207:
A ideia de que a revolução terá por tarefa livrar-nos da conspiração capitalista e, com ela, da oposição à reforma social, está muito disseminada. Mas é uma ideia insustentável, ainda que suponhamos, por um momento, que tal conspiração exista. Com efeito, uma revolução tem tendência a substituir os velhos senhores por novos senhores, e quem garante que esses novos irão ser melhores? A teoria da revolução ignora o aspecto mais importante da vida social: que aquilo de que necessitamos não é tanto de boas pessoas, mas de boas instituições. Mesmo o melhor dos homens pode ser corrompido pelo poder. Mas as instituições que permitam aos governados exercer algum controle efetivo sobre os governantes forçarão até os maus de entre estes últimos a agir de acordo com o que os primeiros consideram ser os seus interesses. Ou, para pôr a questão doutro modo: nós gostaríamos de ter bons governantes, mas a experiência histórica demonstra-nos que não é provável que os obtenhamos. E é por isso que é tão importante criar instituições que impeçam mesmo os maus governantes de causar demasiado dano.

Pg 272:
Obviamente não é a ideia do cristianismo que leva ao terror e à desumanidade. É, antes, a ideia da ideia única, unificada, da crença numa crença única, unificada e exclusiva. E, visto que me designei como racionalista, é meu dever apontar que o terror do racionalismo, da religião da razão, foi, se possível, pior do que o terror do fanatismo cristão, ou maometano ou judaico. Uma ordem social genuinamente racionalista é tão impossível quanto uma genuinamente cristã; e a tentativa de realizar o impossível deve, aqui, conduzir ao menos às mesmas monstruosidades. O melhor que se pode dizer sobre o Terror de Robespierre é que durou relativamente pouco.

Aqueles entusiastas bem-intencionados que têm o desejo e a necessidade de unificar o Ocidente sob a liderança de uma ideia fascinante não sabem o que estão fazendo. Não sabem que estão brincando com fogo – que é a ideia totalitária que os atrai.

A sociedade aberta é seus inimigos (tomo 2)

Pg 131:
A liberdade, se for ilimitada, derrota a si mesmo. Liberdade ilimitada significa que um forte é livre para agredir um fraco e roubar a liberdade deste. Eis a razão por que exigimos que o estado limite a liberdade a certa extensão, de modo que a liberdade de cada um seja protegida pela lei. Ninguém deve estar à mercê dos outros, mas todos devem ter o direito de ser protegidos pelo estado.

Ora, eu creio que essas considerações, originalmente destinadas a aplicar-se ao Reino da força bruta, da intimidação física, devem também ser aplicadas ao reino econômico. Mesmo que o estado proteja seus cidadãos de serem atropelados pela violência física, pode levar nossos alvos à derrota pelo fracasso em protegê-los do mau uso do poder econômico. Sob tais circunstâncias, a liberdade econômica ilimitada pode ser tão suicida como a liberdade física ilimitada. E o poder econômico pode ser quase tão perigoso como a violência física, pois aqueles que possuem excesso de alimentos podem forçar os que passam fome a uma servidão "livremente" aceita, sem usar a violência. E admitindo que o estado limite suas atividades à supressão da violência e à proteção da propriedade, uma minoria economicamente forte pode, desse modo, explorar a maioria dos que são economicamente fracos.

Se esta análise é correta, então a natureza do remédio é clara. Deve ser um remédio político, um remédio semelhante ao que usamos contra a violência física. Devemos construir instituições sociais, asseguradas pelo poder do estado, para proteção dos economicamente fracos contra os economicamente fortes. O estado deve cuidar para que ninguém entre em entendimento não equitativo por medo de fome ou de ruína econômica.

A sociedade aberta e seus inimigos (tomo 1)

Pg. 125:
Estou perfeitamente disposto a ver algo restringida minha própria liberdade de ação, desde que possa obter proteção para a liberdade restante e desde que saiba que certas limitações de minha liberdade são necessárias; por exemplo, devo desistir de minha liberdade de atacar, se quero que o estado apoie a defesa contra o ataque. Mas exijo que não se perca de vista o objetivo fundamental do estado, quero dizer, a proteção daquela liberdade que não causa dano aos outros cidadãos. Exijo, assim, que o estado deva limitar a liberdade dos cidadãos tão igualmente quanto possível, e não além do que for necessário para conseguir uma limitação igual de liberdade.
...
Por certo é difícil determinar exatamente o grau de liberdade que pode ser deixado aos cidadãos sem por em perigo aquela liberdade cuja proteção é a função do estado. Mas o fato de ser possível algo como uma determinação aproximada desse grau está provado pela experiência, isto é, pela existência de estados democráticos. Evidentemente, este processo de determinação aproximada é uma das principais tarefas da legislação nas democracias. É um processo difícil, mas suas dificuldades não chegam ao ponto de forçar-nos a uma mudança em nossas exigências fundamentais.

Pg 289 (nota 4 ao capítulo 7):
A tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até aqueles que são intolerantes; se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância. 
Nesta formulação, não quero implicar, por exemplo, que devamos sempre suprimir a manifestação de filosofias intolerantes. Enquanto pudermos contrapor a elas a argumentação racional e mantê-las controladas pela opinião pública, a supressão seria por certo pouquíssimo sábia. Mas deveríamos declarar o direito de suprimi-las, se necessário mesmo pela força, pois bem pode suceder que não estejam preparadas para se opor a nós no terreno dos argumentos racionais e sim que, ao contrário, comecem por denunciar qualquer argumentação. Assim, podem proibir a seus adeptos, por exemplo, que deem ouvidos aos argumentos racionais por serem enganosos, ensinando-os a responder aos argumentos por meio de punhos e pistolas.
 
Deveremos então reclamar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos exigir que todo movimento que pregue a intolerância fique a margem da lei e que se considere criminosa qualquer incitação à intolerância e à perseguição, do mesmo modo que no caso da incitação ao homicídio, ao sequestro ou à revivescência do tráfico de escravos.

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