"Cuando el mal crece, el pequeño bien se agranda." (Antonio Porchia)

Bryan Magee

Confissões de um filósofo, páginas 211 a 213:

Foi com relação à filosofia da ciência que Popper elaborou suas ideias mais fundamentais: 

1) Nunca somos capazes de estabelecer com segurança a veracidade de qualquer enunciado irrestritamente geral sobre o mundo e, portanto, de nenhuma lei ou teoria científica.

2) Por ser impossível em termos lógicos chegar a estabelecer a veracidade de uma teoria, qualquer tentativa nesse sentido é uma tentativa de fazer o impossível; portanto, não é só o positivismo lógico que deve ser abandonado em virtude de seu verificacionismo, mas também toda filosofia e toda ciência envolvidas com a busca da certeza, busca que dominou pensamento ocidental de Descartes até Russel.

3) Por não conhecermos, e nunca podermos conhecer, no sentido tradicional dessa palavra, a verdade de qualquer uma de nossas teorias, todo o nosso conhecimento científico é, e sempre será, falível e corrigível.

4) Nosso conhecimento não aumenta, como ao  longo de séculos se acreditou que acontecesse,  pelo perpétuo acréscimo de novas certezas ao conjunto de certezas existentes, mas pela repetida derrubada de teorias existentes por teorias melhores, o que significa principalmente teorias que explicam mais ou que geram previsões mais exatas.

5) Devemos esperar que essas teorias melhores, por sua vez, sejam um dia substituídas por teorias ainda melhores.

6) Esse processo jamais terá fim, de modo que o que chamamos de nosso conhecimento somente pode chegar a ser constituído de nossas teorias.

7) Nossas teorias são produtos da nossa mente.

 8) Somos livres para inventar absolutamente qualquer teoria, mas, antes que qualquer teoria dessas possa ser aceita como conhecimento, é preciso que se demonstre que ela é preferível a qualquer outra ou quaisquer outras que substituiria caso a aceitássemos.

9) Uma preferência dessa ordem somente pode ser estabelecida por testes rigorosos.

10) Embora os testes não possam estabelecer a veracidade de uma teoria, eles podem determinar sua falsidade - ou revelar falhas nela - e, portanto, embora não possamos nunca ter elementos para acreditar na veracidade de uma teoria, podemos ter elementos decisivos para preferir uma teoria a outra.

11) Por conseguinte, o comportamento racional consiste em basear nossas escolhas e decisões no "que nos é dado saber" ao mesmo tempo que procuramos substituí-lo por algo melhor.

12) Logo, se quisermos progredir, não devemos lutar até a morte em defesa de teorias existentes, mas acolher as críticas a elas e permitir que nossas teorias morram no nosso lugar.

Foi só depois que desenvolveu essas ideias a um alto nível de sofisticação com relação às ciências naturais que Popper percebeu que suas implicações no campo das ciências sociais eram também incontestáveis.

Um programa político ou social é uma prescrição baseada em alto grau em hipóteses empíricas – "Se quisermos obter x, devemos fazer A, mas, se quisermos que aconteça y, devemos fazer B".  Nunca podemos ter certeza de que uma hipótese ou outra esteja certa, e é uma questão de experiência universal que elas quase sempre são falhas e às vezes completamente erradas.  O procedimento racional consiste em, antes de lhes designar recursos reais, submetê-las ao exame crítico com tanto rigor quanto as circunstâncias o permitam e revisá-las a luz de uma crítica eficaz.  Então,  depois que tenham sido lançadas, manter uma vigilância cuidadosa sobre sua implementação prática para ver se estão tendo consequências indesejáveis, além de estar preparado para alterá-las na eventualidade de tais resultados negativos.  Mais uma vez, a ideia é sacrificar hipóteses em vez de seres humanos ou recursos valiosos (incluindo-se o tempo).

Uma sociedade que age dessa forma terá maior sucesso na realização dos objetivos daqueles que elaboram suas políticas, do que outra em que se proíba a discussão crítica dessas políticas ou comentários críticos das consequências práticas dessas políticas.  A repressão à crítica significa que mais erros passarão despercebidos na formulação da política; e também que, depois de terem sido implementadas políticas equivocadas, elas perdurarão mais tempo antes de serem alteradas ou abandonadas.

Com base nesse ponto, Popper cria uma sólida estrutura de argumentação no sentido de que, mesmo em temos puramente práticos, e independentemente de considerações morais, uma sociedade livre (ou o que ele chama de sociedade aberta) fará um progresso maior e melhor a longo prazo do que qualquer forma de governo autoritário.

Fundamentais à sua filosofia política, como à sua epistemologia e filosofia da ciência, são as ideias de que é fácil estar equivocado, mas impossível chegar a ter certeza de estar certo, e de que a crítica é o agente do aprimoramento.

Em política essa é uma argumentação profundamente original, além de apresentar uma importância prática incalculável. Antes de Popper, quase todos acreditavam que a democracia estava destinada a ser ineficaz e lenta, mesmo que, apesar disso, devesse ser preferida em virtude das vantagens da liberdade e de outros benefícios morais; e acreditavam que a forma mais eficaz de governo em teoria seria algum tipo de ditadura esclarecida.

Popper demostrou não ser esse o caso. E ele nos proporciona um entendimento totalmente novo e mais profundo do fato de que a maioria das sociedades mais bem-sucedidas do mundo, em termos materiais, são democracias liberais. Isso não ocorre – como, mais uma vez, era a opinião da maioria das pessoas até então – porque sua prosperidade lhes possibilitou esse luxo dispendiosos chamado democracia. Ocorre, sim, porque a democracia desempenhou um papel crucial em içá-las de uma situação na qual a maioria de seus membros era pobre, o que era o caso em quase todas essas sociedades quando a democracia começou.

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